EDILBERTO B SILVA
Ler é viajar sem sair do lugar
Textos
CINEMA E FILMES - memórias
Corria a década ingênua dos anos 60. Em Manaus, a vida e o Tempo fluíam sem pressa, característica da época. Inocência e simplicidade ditando as normas. Viagens de bonde da Cachoeirinha ao centro. Banho, quando vinha da escola, no igarapé chamado Quarenta, límpido, que cruzava o bairro, onde as lavadeiras costumavam levar suas roupas. Nos trilhos dos bondes a molecada costumava colocar cacos de vidro para fazer cerol e usar nas linhas de empinar pipas (papagaio, pandorga, etc.), nas tardes ensolaradas e quentes de domingo de Manaus. Particularmente, eu preferia frequentar salas de cinema a ficar com a cara virada para o sol, empinando papagaios.
Auge das chanchadas, em preto e branco, com Grande Otelo, Oscarito, Eliana, Ankito, Mazzaropi, e outros que a memória deixou escapar. Tempo de apogeu dos filmes de Hollywood: Dançando na chuva, ...E o vento levou, Os Dez Mandamentos, Ulisses, Hércules, Steve Reeves, Tarzan, Luzes da ribalta, O garoto, Rock Hudson, Charleston Heston, Doris Day, Charlie Chaplin, o Gordo e o Magro. Tudo era encanto... Nem preciso dizer que eu era “tarado” por cinema e também em revistas em quadrinho – Rock Lane, Rex Allen, Fantasma, Hapolong Cassidy, Cavaleiro Negro, Flecha Ligeira, Jerônimo, o herói do sertão...  Talvez daí tenha vindo minha atração pela sétima arte (e a arte de representar) e a leitura.
Saudade e lembranças das matinês nas sessões de cinema de domingo quentes, a partir da 13h e 45 m., nos cines Guarani, Politeama (próximos à Praça da Polícia Militar, no centro, ao lado do Colégio Estadual do Amazonas, onde posterior cursei o ginásio), Odeon, Avenida, Éden. Abertura da sessão com o Canal 100. Filmes com Brigitte Bardou nem pensar. Os 18 anos pareciam distantes.
Tínhamos acabado de chegar de Fortaleza, Ceará, (eu  e a família) a bordo da última viagem do navio “Campos Sales”, do Loyd., empresa de navegação marítima hoje inexistente.
Eu contava com a idade aproximadamente de 12 anos. Fazia o curso primário num colégio mantido por padres maristas, na Rua Visconde de Porto Alegre, esquina com a Rua Ramos Ferreira (não sei se pertencia ao bairro  Cachoeirinha ou ao bairro Praça 14).
Aos domingos, à tarde, os padres costumavam a reunir a garotada das redondezas, no pátio do colégio e promoviam a prática de esportes - ping-pong (tênis-de-mesa), futebol de campo e de salão, além de outras modalidades.
Finda essas atividades, éramos convidados – quase obrigados! - a assistir à uma missa numa capela que ficava no segundo andar do prédio. Periodicamente, depois da missa, tínhamos que fazer a confissão (sob controle de frequência). Quando descíamos, no pátio era servido um lanche e um ingresso de cinema (filmes escolhidos pelos padres) no cine Éden, ao lado do Igarapé de Manaus. Só que a sessão seria na parte da manhã. Como eu estudava nesta parte do dia, ficava impossibilitado de comparecer.
A não ser que...
Decidi, por conta própria, faltar à aula e ir ao cinema. Talvez esta tenha sido minha primeira contravenção em desobediência ao meu pai, o Pedro, cearense severo de Juazeiro do Norte, no Ceará.
Na manhã seguinte, ao invés de me dirigir ao colégio, tomei o rumo do cinema. Com o ingresso nas mãos, entrei na fila. Quando estava quase entrando, um dos padres me reconheceu – ele sabia que eu estudava no turno da manhã!
Ele costumava usar um apito com um cordão cheio de nós. De repente senti o golpe, na cabeça, desferido pelo padre, cujo nome esqueci.
Envergonhado e sem saber o que dizer, dei meia volta e saí dali.
No caminho do colégio fiquei matutando que desculpa eu teria que apresentar quando chegasse em casa. Andei  a esmo até chegar a hora de voltar da escola. Aqueles momentos duraram uma eternidade. Nunca tinha feito algo semelhante. Temia a bronca de minha mãe (Dulcinea) e as cintadas justas do Pedro, meu pai.
No dia seguinte, compareci às aulas, como se nada tivesse acontecido. Estava sentando na minha carteira, quando entrou um bedel (quem é do meu tempo sabe o que é quem é!), falando que eu devia comparecer imediatamente na diretoria e falar com o diretor. “Ih! Pensei comigo mesmo: a coisa ficou complicada” E agora? O que vou dizer em casa?
Depois de um sermão, o diretor determinou que eu só voltaria a frequentar as aulas depois que meus pais (ou responsáveis) fossem ao colégio falar com ele.
Fiquei zanzando pelo colégio até que chegasse a hora de ir para casa. O trajeto entre a escola e onde eu morava - algo em torno de meia hora, a pé -, eu queria que não tivesse fim. Cada passo eu queria prolongar o máximo possível!
Fiquei pensando no tipo abordagem que iria utilizar para confessar esse “delito”. No dia seguinte eu só entraria no prédio do colégio em companhia de meus pai.
Almocei sob tensão, pensando nas consequências. À medida que o tempo passava mais aumentava o meu desespero. E agora?
No final da tarde tomei coragem e confessei à minha mãe minha pequena transgressão. Ela, sem poder de decisão, pediu que eu falasse com meu pai. Danou-se, pensei.
Contei cada segundo, tomei coragem e relatei o ocorrido, esperando pela pisa (surra) como resultado.
Foi aí que meu pai mostrou a grandeza do seu caráter e seu alto nível de compreensão. Ao invés de eu sofrer aquela punição – uma sova, por exemplo -, ele simplesmente me disse, tolerante:- “Nego véio (era assim que ele carinhosamente me chamava”), por que você não me pediu para ir ao cinema? E me deu uns conselhos que até hoje não ouso abandonar.
A partir daquele momento passei a ver meu pai com outros olhos. Aprendi, doravante, a não sofrer por antecipação e a não procrastinar o que pode ser resolvido de imediato. As consequências – cedo ou tarde – virão.


Corria a década ingênua dos anos 60. Em Manaus, a vida e o Tempo fluíam sem pressa, característica da época. Inocência e simplicidade ditando as normas. Viagens de bonde da Cachoeirinha ao centro. Banho, quando vinha da escola, no igarapé chamado Quarenta, límpido, que cruzava o bairro, onde as lavadeiras costumavam levar suas roupas. Nos trilhos dos bondes a molecada costumava colocar cacos de vidro para fazer cerol e usar nas linhas de empinar pipas (papagaio, pandorga, etc.), nas tardes ensolaradas e quentes de domingo de Manaus. Particularmente, eu preferia frequentar salas de cinema a ficar com a cara virada para o sol, empinando papagaios.
Auge das chanchadas, em preto e branco, com Grande Otelo, Oscarito, Eliana, Ankito, Mazzaropi, e outros que a memória deixou escapar. Tempo de apogeu dos filmes de Hollywood: Dançando na chuva, ...E o vento levou, Os Dez Mandamentos, Ulisses, Hércules, Steve Reeves, Tarzan, Luzes da ribalta, O garoto, Rock Hudson, Charleston Heston, Doris Day, Charlie Chaplin, o Gordo e o Magro. Tudo era encanto... Nem preciso dizer que eu era “tarado” por cinema e também em revistas em quadrinho – Rock Lane, Rex Allen, Fantasma, Hapolong Cassidy, Cavaleiro Negro, Flecha Ligeira, Jerônimo, o herói do sertão...  Talvez daí tenha vindo minha atração pela sétima arte (e a arte de representar) e a leitura.
Saudade e lembranças das matinês nas sessões de cinema de domingo quentes, a partir da 13h e 45 m., nos cines Guarani, Politeama (próximos à Praça da Polícia Militar, no centro, ao lado do Colégio Estadual do Amazonas, onde posterior cursei o ginásio), Odeon, Avenida, Éden. Abertura da sessão com o Canal 100. Filmes com Brigitte Bardou nem pensar. Os 18 anos pareciam distantes.
Tínhamos acabado de chegar de Fortaleza, Ceará, (eu  e a família) a bordo da última viagem do navio “Campos Sales”, do Loyd., empresa de navegação marítima hoje inexistente.
Eu contava com a idade aproximadamente de 12 anos. Fazia o curso primário num colégio mantido por padres maristas, na Rua Visconde de Porto Alegre, esquina com a Rua Ramos Ferreira (não sei se pertencia ao bairro  Cachoeirinha ou ao bairro Praça 14).
Aos domingos, à tarde, os padres costumavam a reunir a garotada das redondezas, no pátio do colégio e promoviam a prática de esportes - ping-pong (tênis-de-mesa), futebol de campo e de salão, além de outras modalidades.
Finda essas atividades, éramos convidados – quase obrigados! - a assistir à uma missa numa capela que ficava no segundo andar do prédio. Periodicamente, depois da missa, tínhamos que fazer a confissão (sob controle de frequência). Quando descíamos, no pátio era servido um lanche e um ingresso de cinema (filmes escolhidos pelos padres) no cine Éden, ao lado do Igarapé de Manaus. Só que a sessão seria na parte da manhã. Como eu estudava nesta parte do dia, ficava impossibilitado de comparecer.
A não ser que...
Decidi, por conta própria, faltar à aula e ir ao cinema. Talvez esta tenha sido minha primeira contravenção em desobediência ao meu pai, o Pedro, cearense severo de Juazeiro do Norte, no Ceará.
Na manhã seguinte, ao invés de me dirigir ao colégio, tomei o rumo do cinema. Com o ingresso nas mãos, entrei na fila. Quando estava quase entrando, um dos padres me reconheceu – ele sabia que eu estudava no turno da manhã!
Ele costumava usar um apito com um cordão cheio de nós. De repente senti o golpe, na cabeça, desferido pelo padre, cujo nome esqueci.
Envergonhado e sem saber o que dizer, dei meia volta e saí dali.
No caminho do colégio fiquei matutando que desculpa eu teria que apresentar quando chegasse em casa. Andei  a esmo até chegar a hora de voltar da escola. Aqueles momentos duraram uma eternidade. Nunca tinha feito algo semelhante. Temia a bronca de minha mãe (Dulcinea) e as cintadas justas do Pedro, meu pai.
No dia seguinte, compareci às aulas, como se nada tivesse acontecido. Estava sentando na minha carteira, quando entrou um bedel (quem é do meu tempo sabe o que é quem é!), falando que eu devia comparecer imediatamente na diretoria e falar com o diretor. “Ih! Pensei comigo mesmo: a coisa ficou complicada” E agora? O que vou dizer em casa?
Depois de um sermão, o diretor determinou que eu só voltaria a frequentar as aulas depois que meus pais (ou responsáveis) fossem ao colégio falar com ele.
Fiquei zanzando pelo colégio até que chegasse a hora de ir para casa. O trajeto entre a escola e onde eu morava - algo em torno de meia hora, a pé -, eu queria que não tivesse fim. Cada passo eu queria prolongar o máximo possível!
Fiquei pensando no tipo abordagem que iria utilizar para confessar esse “delito”. No dia seguinte eu só entraria no prédio do colégio em companhia de meus pai.
Almocei sob tensão, pensando nas consequências. À medida que o tempo passava mais aumentava o meu desespero. E agora?
No final da tarde tomei coragem e confessei à minha mãe minha pequena transgressão. Ela, sem poder de decisão, pediu que eu falasse com meu pai. Danou-se, pensei.
Contei cada segundo, tomei coragem e relatei o ocorrido, esperando pela pisa (surra) como resultado.
Foi aí que meu pai mostrou a grandeza do seu caráter e seu alto nível de compreensão. Ao invés de eu sofrer aquela punição – uma sova, por exemplo -, ele simplesmente me disse, tolerante:- “Nego véio (era assim que ele carinhosamente me chamava”), por que você não me pediu para ir ao cinema? E me deu uns conselhos que até hoje não ouso abandonar.
A partir daquele momento passei a ver meu pai com outros olhos. Aprendi, doravante, a não sofrer por antecipação e a não procrastinar o que pode ser resolvido de imediato. As consequências – cedo ou tarde – virão.
Aprendi...

kbrito
Enviado por kbrito em 08/02/2024
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